terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Capítulo 09 - Retiro

Meu primeiro beijo foi desastroso e eu encarei como um “sinal de Deus” que dizia para que eu lutasse para reverter a minha condição. Sim, com toda a criação religiosa eu logo encarei como se fosse Ele falando comigo: “Caio, você quer isso pra sua vida?”. Foi então que fiquei muito tempo me reprimindo ainda mais que antes. Tentava me interessar por garotas e colocava na cabeça que assim tudo seria mais fácil.
Ainda aos 16, fui a um retiro da igreja. Fiquei um final de semana inteiro em um sítio, juntamente com outros jovens da paróquia, e foi anunciado que no sábado chegaria um senhor que “recebia o Espírito Santo” e que faria uma oração pra cada um de nós. Claro que achei aquilo meio esquisito, mas não custava nada experimentar.
Chegou o tal sábado desse homem aparecer por lá. Foi feita uma fila e as pessoas iam passando devagar enquanto ele falava coisas em seus ouvidos. Aconteceu o seguinte ao chegar a minha vez: Foi esse senhor encostar a mão na minha cabeça e começar a falar para eu desmontar de tanto chorar. Ele falou mais ou menos o seguinte: “Calma, filho. Tem coisas que só devemos aceitar, não tem como mudar. Isso é normal, não tenha medo. Deus está contigo.”.
Chorei muito, muito! E chorei por querer poder ter esperanças de conseguir reverter tudo isso e ser um garoto como a maioria. As palavras daquele homem, naquele momento, foram como um balde de água fria muito desconfortável.
Essa experiência no retiro me fez acreditar que eu não conseguiria me interessar por garotas. Contudo a mudança na minha postura foi não foi libertadora, ao invés de tentar me apaixonar por alguma garota eu passei a apenas me forçar pra jamais voltar a viver meus desejos. Só hoje consigo enxergar que meu planho era: ser casto, solteiro e, principalmente, mal resolvido.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Capítulo 08 - Primeiro beijo



O nome dele era Paulo. Um rapaz que cursava direito, tinha 24 anos, morava com a mãe e freqüentava a igreja. “Olha, um menino católico!”. Conversávamos com freqüência e ele era extremamente amigável e tranqüilo. Pra ele eu não mandei foto falsa, só disse que eu tinha um pouco de aflição em mandá-las nos primeiros contatos, afinal eu não sabia se podia confiar na pessoa que estava do outro lado. E ele se mostrou bastante compreensível.
Conversávamos sobre tudo: estudos, futuro, igreja, família, amigos, música, rotina etc. E volta e meia ele me perguntava se eu não criaria coragem de mandar uma foto pra ele ou, quem sabe, de conhecê-lo.
Já fazia alguns meses que eu o conhecia (eu já estava com 16 anos e cursando o segundo ano do colegial. Ele ainda com 24.) quando resolvi mandar uma foto minha mesmo. Ao ver a foto, ele foi muito educado e me elogiou. E em menos de duas semanas resolvemos nos conhecer pessoalmente.
No dia marcado, após a aula, peguei o celular e liguei pra ele. Combinamos de nos encontrar no apartamento dele. Fui sem grandes preocupações, já tinha avisado a minha mãe que só chegaria em casa tarde mesmo.  Ao chegar, ele me recebeu mega bem, tinha preparado um macarrão e tinha aqueles sucos de uva de caixinha em cima da mesa. Almoçamos e assim que terminamos, ele pegou um vinho, se não me falha a memória. Eu, careta, não aceitei. Ele então voltou pra cozinha com a garrafa e logo retornou pra sala onde estávamos.
Conversamos bastante. Na verdade foi mais um monólogo. Nada saia da minha boca, eu estava extremamente constrangido, era tudo absolutamente novo pra mim. Estava com um garoto gay, que sabia que sou gay, que era bonitinho, que me acha bonito e sozinhos numa casa. Era tudo de uma vez, e, eu estava muito apreensivo.
Ele então me levou pra quarto dele e ligou o computador. Lá me mostrou fotos de vários dos garotos do Mirc. Claro que eu achei aquilo um pouco inconveniente, mas não demonstrei nada na hora, eu estava aflito demais pra isso. Mas não pude deixar de pensar: “E as minhas fotos, será que mostrou pra outros caras?”.
Depois, voltamos pra sala, sentamos no sofá e ele se aproximou de mim e não demorou para me beijar... Era meu primeiro beijo, o tão aguardado, parecia mágico, estava ótimo até que mãos pra todos os lados começaram a me deixar incomodado e constrangido. Eu não imaginava que ele ia me alisar e apalpar daquele jeito tão, sei lá, intenso. Então eu fiquei meio em stand by. Deixei ele continuar, mas eu nem se quer sabia retribuir o beijo, que antes era doce e depois se tornou desesperado e angustiante.
Ele então levantou, pegou na minha mão e me levou ao quarto dele. Me deitou na cama, de bruços e deitou em cima de mim, ambos vestidos. Nessa altura do campeonato eu já sabia onde ele queria chegar. Minha reação era me mexer discretamente, tentando assim mostrar que eu estava negando a investida. E, enquanto eu fazia o máximo para ele perceber que eu não estava com o mesmo interesse que ele, eu chorava silenciosamente. Mas sem perceber meu desconforto ele abaixou as minhas calças e fez movimentos incômodos e invasivos, enquanto eu continuava chorando.
Não demorou para ele perceber que eu estava dificultando suas ações e desinteressado nas suas investidas sexuais, então ele se levantou, me pegou, dessa vez pelo braço, me levou pra sala e falou algo como: “Então pega essa sua mochila e sai daqui. Veio aqui pra quê? Vaza!”.
Chorei calado enquanto recolhia minha mochila. Saí do apartamento mais com medo do que com raiva. E ele, pra completar, bateu a porta nas minhas costas. Entrei na escada de incêndio e chorei de verdade. Chorei com vontade, de soluçar. Me senti um lixo, me senti enganado e me senti responsável. Tirei minhas calças e deixei minha cueca ali mesmo, na escada de incêndio. Vesti as calças e tentei me recompor. Depois de alguns minutos, naquela escada vazia, eu desci os andares que faltavam pro térreo, eram poucos, e voltei pra minha casa a pé com sol no rosto e com o cheiro dele em mim. Com nojo! Mas o pior de tudo é que o nojo não era só dele, era de mim e dos gays, pois nos avaliei como descontrolados sexuais e depravados.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Capítulo 07 - Culpa, medo e seus motivos


Uma coisa que deixei de explicar, pra ilustrar melhor a minha condição, é que a minha família é bastante católica. Pois é. Cresci ouvindo sermões de padres, que dão regras até pra respirar... Na igreja sentia-me menor, culpado e pecador. Sentia-me inferiorizado, por não conseguir me sentir “normal”; culpado, por ouvir padres e religiosos falando que conseguíamos tudo se confiássemos em Deus, e, se eu não conseguia, é porque eu não fazia minha parte.
Desde pequeno, eu freqüentava missas ou grupinhos infantis nas igrejas. Participei de quase tudo lá dentro: desses grupos infantis, das peças de teatro e de toda a parte burocrática, que noivos agnósticos se submetem quando a mãe da noiva quer que eles se casem na igreja católica.
A sociedade era responsável por grande parte do meu desconforto, mas essa responsabilidade passa longe da que a igreja teve na construção da minha paranóia. Era por conta do Deus cristão, que eu me desconsiderava, me sabotava, me impedia, me podava. Seja nas brincadeiras e paixonites infantis, seja nos envolvimentos, nas experiências e na plenitude importante pra adolescência e juventude. Mas mesmo tendo toda essa repressão religiosa nas minhas costas, eu ainda buscava informações sobre a minha sexualidade. Lembro que acessava a internet à procura de sites de apoio ou coisa que o valha. Lembro-me também que até encontrei alguns, um especializado para os homossexuais jovens, mas nada que me parecia interessasse. Parecia apenas que o apoio era pra quem já se aceitava ou queria simplesmente sair do armário. Eu não. Eu ainda me culpava, me achava errado, me condenava.
Mas com os meus 15 anos, queria me permitir dar atenção às minhas vontades. Até então não tinha me relacionado com ninguém, nem se quer sabia como isso aconteceria. Pra correr atrás das minhas curiosidades usei a estratégia mais fácil: internet! Facilitava porque seria impessoal e faria com que minha timidez reduzisse bastante, era como se, sem o olho no olho, eu me sentisse menos julgado ou pelo menos tinha menos a impressão de que estava sendo.
Eu usava o Mirc, um programa de bate papo. Me lembro até que o nome da sala que eu usava era “#gaybrasilia”. Nossa! Isso também me incomodava. Encontrar pessoas parecidas comigo nesses guetos me deixava meio aborrecido. Eu, com toda a culpa cristã, terminava de conversar com uma ou outra pessoa e quando saía de lá já pensava que, além de mim, esse novo amigo também estava em maus lençóis.
Certa vez, descobri que um freqüentador do Mirc era um colega da minha sala de aula: Roberto. Assim que ele me enviou a sua foto pelo Mirc, eu fiquei geladíssimo. Ele era um rapaz bem bonito, tinha o cabelo bem preto e os olhos azuis escuros, era engraçado e bastante educado. Mas, eu, na minha auto-sabotagem, mandei a foto de outro garoto que eu tinha acabado de receber, também pelo Mirc. Pronto! Não fiquei mais a vontade de conversar com Roberto e logo saí do programa.
A sala de aula era “mapeada” e eu e ele não sentávamos próximos. O que foi ótimo pra mim, que já sou trêmulo por natureza. Quando ele falava comigo, eu respondia. Mas nunca desenvolvia o assunto.  É que eu era ainda mais  tímido que hoje. Até que algo de ruim aconteceu ao Roberto e isso me deixou ainda mais perturbado.
Era intervalo no colégio, eu já estava voltando à sala de aula, quando notei um movimento diferente. Algumas pessoas voltavam e desciam pro pátio. Pois bem, até hoje não sei exatamente ao certo como aconteceu, só sei que o Roberto estava saindo com uma garota que já tinha namorado outro rapaz da escola, o Renan. Roberto foi surpreendido no intervalo por Renan, que contou, no pátio da escola, que Roberto era gay.
Não sei quais foram os argumentos que Renan usou para afirmar isso, ouvi dizer de uns que ele teve acesso ao e-mail do Roberto e, de outros, que ele tentou paquerar-lo para testar a sexualidade dele. Mas a verdade é que expor o Roberto no meio de toda a escola assim, convenceu muitas pessoas do que foi dito e ele foi condenado pelo outros tantos estudantes preconceituosos. Era uma sexta-feira, ele não voltou do intervalo e nem mesmo pra escola.
Agora até na internet eu era mais neurótico. Não só pela religião, mas pelo que aconteceu com meu colega de classe. Eu estava desconfiado de que era fácil descobrirem que eu era um “pecador”. Então, no Mirc eu não falava meu nome verdadeiro e nem dava informações que pudessem chegar até mim. Não passava foto, nem nada disso. Até que encontrei alguém em quem, depois de umas conversas, confiei!